E agora, senhor Relvas, o povo mau
A TVI convidou Miguel Relvas para falar sobre o futuro do jornalismo. É um hábito nacional. Em Portugal, não há mercearia ou Universidade que não queira ter um ministro a inaugurar o seu "evento". Mesmo que o ministro em causa não tenha, como é evidente no caso, qualquer pensamento sobre o assunto a ser tratado. Relvas foi, como fora no dia anterior, interrompido por protestos. José Alberto de Carvalho disse, na TVI, que foi um atentado à liberdade de expressão. A deixa foi aproveitada por os que acham que a vida política portuguesa se deveria resumir às guerras de bastidores do PSD e do PS. E que os portugueses deveriam continuar a ser, como os definiu um membro da troika, "um povo bom".
Miguel Relvas fala
todos os dias, sempre que quer. Fala
sobre o que sabe e o que não sabe. O
seu direito a expressar as suas opiniões está mais do que salvaguardado. Quem o interrompeu no ISCTE não
teria seguramente como intenção impedir que os portugueses ouvissem as suas
doutas opiniões sobre o futuro do jornalismo. Queriam protestar e protestaram.
Portugal sabe bem, pela sua
história, o que é estar privado da liberdade de expressão. É coisa séria e não deviam ser os
jornalistas a banalizar o conceito. Querem saber o que
é pôr em causa a liberdade de expressão? É o
ministro que tutela a RTP mandar despedir um cronista da rádio pública porque
não gostou do que lá ouviu. É um ministro que assim agiu continuar no seu
lugar. E ainda ser convidado pela classe para perorar sobre o futuro do
jornalismo.
Miguel Relvas é um
símbolo. Um símbolo da desfaçatez e da falta de ética política. No seu comportamento como
ministro e como cidadão - como escrevia alguém do "Cão Azul", foram
mais os 15 minutos que esteve no ISCTE do que o tempo que passou na faculdade
onde supostamente se licenciou. Basta ver a quantidade de ex-governantes
envolvidos no escândalo do BPN para perceber que está longe de ser o primeiro
deste calibre a estar num governo. Mas estamos no meio de uma crise. As
pessoas estão desesperadas e com muito pouca paciência. Exigem, pelo menos, que
finjam que as respeitam.
O facto de Relvas ser
interrompido em todos os lugares onde vá, o facto de não poder sair à rua sem
que os portugueses lhe manifestem a repulsa que lhes causa, é uma boa notícia
para a nossa democracia. Quer
dizer que os cidadãos ainda não desistiram de tudo. Que ainda não estão
completamente resignados. Isso
sim, seria trágico. Porque só em democracias discursos de ministros são
interrompidos por protestos.
E quer dizer que as pessoas ainda não
tratam "os políticos" todos da mesma maneira. Que ainda os
distinguem. Mesmo
quando são interrompidos nem todos os membros do governo têm direito ao nível
de desrespeito que Relvas tem merecido nas suas aparições públicas - todos os
restantes ministros têm discursado depois dos protestos. Mesmo perante quem as
está a afundar, as pessoas conseguem distinguir entre aqueles de quem discordam
e aqueles que, independentemente das suas posições, em nenhuma democracia
exigente poderiam ocupar um cargo público.
Esta é a única perversidade que
pode ser apontada à perseguição popular a Relvas: pode fazer esquecer a
responsabilidade de quem lhe deu o lugar que ocupa. É que nem todos percebem
que Miguel
Relvas é apenas a versão desafinada de Pedro Passos Coelho.
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